Governo do Estado do RJ

1910 - 1941

Os Guinle

A História do Palácio das Laranjeiras

O Palácio das Laranjeiras, residência oficial dos governadores do Estado do Rio de Janeiro, está localizado no bairro das Laranjeiras, na zona Sul da cidade. Originalmente idealizado para servir de moradia ao casal Branca e Eduardo Guinle e seus três filhos, César, Eduardo Filho e Evangelina, foi construído entre 1910 e 1913. O projeto da casa foi assinado pelo arquiteto construtor Armando Carlos da Silva Telles, provavelmente baseado em um desenho inicial do arquiteto francês Joseph Gire, que posteriormente projetou para os Guinle o famoso Copacabana Palace Hotel e o palacete da Ilha de Brocoió.

Quando o casal Guinle mandou construir seu palacete nas Laranjeiras, o mundo passava por grandes transformações: revoluções atingiam tronos e cetros; a industrialização crescente colocava a disposição dos que podiam pagar, uma variedade de produtos manufaturados nunca antes vista; a eletricidade tornava a noite cada vez mais animada e a pintura “Les demoiselles d’Avignon”, de Pablo Picasso, mexia com os tradicionais conceitos de arte.

Na cidade do Rio de Janeiro, então capital da recém implantada República, as mudanças também foram notáveis. Dois engenheiros alcançaram destaque na grande reforma urbana empreendida pelo Governo Federal a partir de 1903: Francisco Pereira Passos, nomeado prefeito da cidade, e Paulo de Frontin, escolhido diretor da Comissão Construtora da Avenida Central. As obras avançaram sobre os bairros portuários da Saúde e Gamboa, onde seria construído um moderno cais, e sobre o quarteirões de feição colonial do centro da cidade, demolidos em grande parte para a abertura de novas ruas e avenidas.

Em novembro de 1905, foi inaugurada com muita festa uma das obras mais importantes de toda a reforma: a Avenida Central, atual Rio Branco, inspirada nos bulevares parisienses abertos meio século antes por Eugéne Haussmann. Os terrenos ao longo da avenida foram reservados para a construção de prédios, cujas fachadas deveriam seguir os padrões estéticos da arquitetura histórica européia. Além da Avenida Central, foi aberta a Avenida Beira Mar, ligando - pela orla da Baía de Guanabara - o centro da cidade à enseada de Botafogo. Ao longo da nova avenida-passeio, calçadas arborizadas, praças e jardins. O literato Figueiredo Pimentel, entusiasmado com o novo momento vivido pela cidade, lançou a frase que logo tornou-se o jargão da reforma: “O Rio civiliza-se!”.

Entre os entusiastas das obras também estava o pai de Eduardo Guinle, Eduardo Palassin Guinle, proprietário de 8 valiosos lotes ao longo da Avenida Central. O patriarca da família foi um dos homens de negócios mais ricos do país, sócio de Cândido Gaffrée na Companhia Docas de Santos. De ascendência francesa, o comerciante gaúcho Eduardo Palassin Guinle e sua esposa, Guilhermina Coutinho, haviam chegado ao Rio na década de 1870 e logo os negócios prosperaram. Assim, no início do século XX, os Guinle já eram uma das famílias mais abastadas da capital da República, sendo proprietários de vários imóveis, um luxuoso hotel, uma firma de importação de maquinário industrial e até mesmo da Companhia Brasileira de Energia Elétrica, rival da Light and Power Company na produção e comercialização de eletricidade.

Branca e Eduardo Guinle, C. 1910. (Acervo Família César Guinle).

Palacetes cariocas. Revista da Semana, 1918. (Acervo Biblioteca Nacional).

Naquela época, era costume das famílias abastadas construir palacetes rodeados por belos jardins, para ostentar a riqueza amealhada e exibir o bom gosto cultivado durante as temporadas na Europa. No início do século XX, as grandes cidades do continente americano exibiam construções cuja inspiração vinha da arquitetura europeia. Ícones dessa época foram os suntuosos palacetes de Cornelius Vanderbilt e Henry Clay Frick, na Quinta Avenida, em Nova York; da família Anchorena, atual Palácio Paz, na Praça San Martin, em Buenos Aires; de Elias Antônio Pacheco Chaves, atual Palácio dos Campos Elíseos, em São Paulo; e do casal Branca e Eduardo Guinle, no Rio.

Emoldurado pelo verde da Mata Atlântica, o palacete é uma mistura de estilos decorativos franceses, especialmente aqueles que remetem aos palácios e ambientes da época dos reis “Luíses” de França, entre os séculos XVII e XVIII. Ele foi erguido sobre um platô, a 25 metros acima do nível da rua, situado em uma extremidade da encosta do morro Nova Cintra. A elevação, por sua vez, é uma das pontas da serra da Carioca, que corta bairros da zona Sul e da área central do Rio de Janeiro. Na época da construção, a paisagem que se descortinava dali ao visitante era deslumbrante, com a Baía de Guanabara e o Pão de Açúcar ao fundo. O Parque Guinle fazia parte da propriedade e seu paisagismo, composto por lago, riacho, cascatas, pontilhões e sinuosas alamedas, é atribuído ao francês Francisque Cochet.

Quando adquiriu as terras do Conde Sebastião de Pinho, nas Laranjeiras, para construir sua casa, Eduardo Guinle era um jovem e promissor engenheiro, que iniciava uma carreira de empresário, capitaneando o novo empreendimento da família: a produção de energia elétrica. Anos antes, após formar-se pela Escola Politécnica, o pai o enviara a Nova York para estudar a nova tecnologia. De volta ao Brasil, Eduardo passou a dedicar-se à Companhia Brasileira de Energia Elétrica, que havia adquirido as permissões para fornecer eletricidade a Niterói e Petrópolis, no Estado do Rio, e a Salvador, na Bahia, onde a empresa dos Guinle também operava o sistema de bondes. Em todos estes empreendimentos esteve ao seu lado seu irmão, Guilherme, que anos mais tarde assumiria a liderança empresarial da família.

Concluídas as obras do palacete em meados de 1913, a família de Eduardo mudou-se para a luxuosa residência. A construção da casa e a aquisição do mobiliário e das obras de arte haviam consumido a generosa herança deixada por seu pai, falecido em março do ano anterior. Para decorar o palacete, Eduardo contratou a firma francesa Casa Bettenfeld, dirigida pelo ebanista francês Louis-François Bettenfeld que, para atender a tamanha demanda, instalou uma filial de sua manufatura no Rio de Janeiro. Eduardo optou pelos melhores materiais: boiseries de madeiras nobres, maciças colunas de mármores italianos, porcelanas Wedgwood, delicados parquets belgas, além de móveis exclusivos, como a cópia fiel do "Bureau du Roi”, a escrivaninha do Rei Luís XV. Embora houvesse na cidade importantes artistas, hábeis na decoração de interiores domésticos, Eduardo preferiu buscar em Paris nomes afamados para participarem da elaboração dos ornamentos de sua casa. Georges Picard, Émille Guillaume, Nardac, Georges Gardet e Emmanuel Cavaillé-Coll foram os artistas responsáveis por vários elementos decorativos do palacete. Tamanha a magnitude alcançada pela obra, foi necessário até que sua mãe, Guilhermina, emprestasse uma vultosa quantia para que a casa fosse concluída.

O palacete de Eduardo e Branca Guinle, recém construído, e a vista da cidade do Rio de Janeiro, 1913. (Acervo Twentieth Century Impressions of Brazil. Londres).

Anúncio da Casa Bettenfeld em “A Noite”. Rio de Janeiro, 1925. (Acervo Biblioteca Nacional).

Com a morte de Eduardo, em 1º de agosto de 1941, aos 63 anos, Branca e seus filhos decidiram vender a propriedade onde moraram por quase trinta anos. A cidade que assistira impressionada a construção da suntuosa casa já não era a mesma. O Rio de Janeiro dos anos 1940 mudava vertiginosamente: o número de habitantes beirava os dois milhões; novas e amplas vias, como as Avenidas Brasil e Presidente Vargas, foram abertas; carros, caminhões e bondes congestionavam as ruas e arranha-céus eram erguidos, entre eles a torre art déco da Central do Brasil. Nos bairros da Zona Sul, especialmente Copacabana, os antigos palacetes - anteriormente símbolos de luxo - desapareciam para dar lugar a modernos edifícios de apartamentos.

Além de vender o palacete, os herdeiros de Eduardo Guinle decidiram lotear a extensa área da propriedade. Para isso fundaram a companhia Propriedades Reunidas Eduardo Guinle Limitada. Os anúncios veiculados na Revista Cruzeiro enalteciam o “aristocrático” bairro que surgia ao redor do palacete e destacavam a “quietude romântica” do lugar. Ali foram erguidos, inicialmente, três modernos edifícios de apartamentos projetados por Lúcio Costa, cujos elementos arquitetônicos – brise-soleil, tijolos vazados, pilotis – se repetirão nas superquadras de Brasília.

O Palácio das Laranjeiras e sua vizinhança de prédios. Década de 1950. (Acervo Arquivo Nacional – Fundo Agência Nacional).

Branca Guinle posa ao lado das obras de arte da coleção do marido. C. 1915. (Acervo Tereza Castelo Branco).

O palacete visto do Parque Guinle. s. d. (Acervo Casa Civil).