
1946 - 1974
União
A localização privilegiada da residência dos Guinle, a pouca distância do Palácio Guanabara, então residência oficial da Presidência da República, e do Palácio do Catete, sede do Poder Executivo Federal, tornou a aquisição de interesse do governo. No segundo semestre de 1946, durante a presidência do General Eurico Gaspar Dutra, o Palacete Guinle e seu acervo de móveis e objetos artísticos foram adquiridos pela União por 28 milhões de cruzeiros. Aos Guinle coube este valor em lotes na Esplanada do Castelo, no Centro da cidade.
O palacete foi posto à disposição do Ministério das Relações Exteriores, que passou a utilizá-lo para hospedar visitantes oficiais na capital do país. Assim, a ex-residência de Branca e Eduardo Guinle passou a ser conhecida como Palácio das Laranjeiras, a suntuosa “Sala de Visitas” do Rio. O presidente do Chile, Gabriel Gonzalez Videla, foi o primeiro hóspede, em junho de 1947. Durante os nove anos em que a casa permaneceu com essa função, passaram por ali também os presidentes Harry Truman, dos Estados Unidos; Manuel Odria, do Peru; Anastácio Somoza, da Nicarágua; o Governador-geral do Canadá, Sir Alexander de Túnis; e os cardeais Adeodato Giovanni Piazza e Aloisi Masella, representantes oficiais do Papa.
Em 24 de agosto de 1954, o então Vice-Presidente João Café Filho assumiu o governo após o suicídio de Getúlio Vargas, ocorrido nas dependências íntimas do Palácio do Catete. Em meio à comoção popular causada pela morte do presidente, a cerimônia de posse teve lugar nos salões do Palácio das Laranjeiras, de onde Café Filho passou a despachar. Os jornais da cidade registraram que, no dia da posse, o carro que levava Café Filho ao Palácio das Laranjeiras teve que atravessar uma feira livre, na vizinhança do Largo do Machado. E tão logo a presença do Vice-Presidente foi percebida, o povo começou a gritar: “Olha o Café! Olha o Café!”.
Desde o início dos anos 50, cogitava-se transformar o Palácio das Laranjeiras em residência oficial dos Presidentes da República. O próprio Getúlio Vargas já havia pensado nisso. Contudo, somente no governo do mineiro Juscelino Kubitschek é que de fato o Palácio foi destinado a tal função. Entre 1956 e 1961, Juscelino Kubitschek, sua esposa, Sarah, e suas filhas, Maria Estela e Márcia, ali residiram. Foi necessário adaptar as dependências íntimas da residência para receber a família. Nessa época, o jardim do Palácio também sofreu alterações em seu desenho original. A mais significativa delas foi o deslocamento da bela fonte das ninfas, obra do escultor Émille Guillaume, para dar espaço à nova piscina.
As transformações no Palácio das Laranjeiras, durante o Governo Kubitschek, não se restringiram aos ambientes internos ou ao jardim. Alçado à condição de residência oficial, o palácio tornou-se um dos epicentros da política nacional. Ministros, políticos de diversos partidos, diplomatas e empresários subiam o Parque Guinle para ter com o presidente. E uma ávida imprensa transmitia para todo o país os acontecimentos que ali ocorriam. Em maio de 1957, Juscelino, a Primeira-dama e as filhas mudaram-se provisoriamente para o Hotel Copacabana Palace. O motivo foi que, como bom anfitrião, JK havia cedido o Palácio ao Presidente de Portugal Craveiro Lopes, em visita oficial ao Brasil.
Além da presença constante de políticos, os salões do Palácio das Laranjeiras receberam diversas personalidades do mundo artístico e do esporte. Em maio de 1956, a Primeira-dama Sarah Kubitschek recebeu a visita da bailarina inglesa Alicia Markova. Em outubro de 1957, a peruana Gladys Zender, vencedora do Miss Universo daquele ano, foi recebida por Juscelino Kubitschek. O músico norte-americano Louis Armstrong foi o convidado de honra do jantar oferecido pelo Presidente, em dezembro daquele ano, a artistas brasileiros, entre eles Grande Otelo. Em abril de 1958, o ator mirim espanhol Pablito Calvo, famoso na época pela interpretação do personagem “Marcelino”, no filme “Marcelino, Pão e Vinho”, visitou o Palácio das Laranjeiras a convite de dona Sarah. E o antigo piano de Eduardo Guinle foi usado pelo famoso músico Nat King Cole durante uma apresentação, a convite do próprio Presidente, em abril de 1959. E em julho desse mesmo ano, a tenista Maria Ester Bueno, de apenas 19 anos e vencedora do torneio de Wimbledon, na Inglaterra, chegou ao Palácio das Laranjeiras em grande estilo: a bordo do helicóptero oficial da presidência.

Prospecto do empreendimento imobiliário “Parque Eduardo Guinle”, década de 1940. (Acervo Tereza Castelo Branco).

Registro na imprensa da recepção oferecida pelo Governador-Geral do Canadá, Sir Alexander de Túnis, ao Presidente Eurico Gaspar Dutra, no Palácio das Laranjeiras. Junho de 1948. (Acervo Revista Fon Fon).

Dorival Caymmi, Juscelino Kubitschek, Pixinguinha e Louis Armstrong no Palácio das Laranjeiras, dezembro de 1957. (Acervo Casa Civil).
Decisões importantes sobre a construção da nova capital federal, obra máxima do Plano de Metas do governo JK, foram tomadas dentro do Palácio das Laranjeiras. E foi de seu gabinete no Laranjeiras que Juscelino leu, em 19 de abril de 1960, seu discurso oficial de despedida do Rio, dois dias antes da inauguração de Brasília. Em sua mensagem, transmitida via rádio pela “Voz do Brasil”, o presidente despediu-se da cidade que, segundo ele, “com inexcedível generosidade hospedou o governo durante quase dois séculos” e apresentou aos cariocas o governador interino do novo Estado da Guanabara, o Embaixador José Sette Câmara Filho. Mas a mudança para o Palácio da Alvorada não era definitiva: o presidente e sua família continuaram a frequentar o Palácio das Laranjeiras durante estadas no Rio.
Em 31 de janeiro de 1961, assumiu a presidência da República Jânio Quadros. O novo presidente, ao contrário do antecessor, passou a maior parte do tempo em Brasília. Mas os palácios das Laranjeiras e Rio Negro, este em Petrópolis, ficaram reservados ao uso de Jânio e sua família.
Em uma das poucas ocasiões em que se hospedou no Palácio das Laranjeiras, o Presidente Jânio Quadros recebeu, na noite de 20 de agosto, um domingo, o jornalista Carlos Lacerda, primeiro governador eleito do Estado da Guanabara. O governador havia subido o Parque Guinle a pedido de Jânio. Dias antes, em Brasília, na manhã do dia 19, o presidente havia condecorado Che Guevara com a Grã Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, um dos líderes da Revolução Cubana e então Ministro da Indústria de Cuba. O ato escandalizou Lacerda e seu partido, a União Democrática Nacional (UDN), importantes aliados do presidente.
Para marcar sua oposição ao ato de Jânio, Carlos Lacerda recebeu, em solenidade no Palácio Guanabara, o opositor do regime de Fidel Castro, Manuel Antônio Varona, ao qual entregou simbolicamente as chaves do Estado. A crise entre o presidente e seu mais importante aliado não escapou à imprensa. O Jornal do Brasil publicou, na edição do dia 21 daquele mês, as fotografias dos dois atos, uma ao lado da outra, sob os títulos “Guevara com Jânio” e “Varona com Lacerda”. Ao fim daquela semana, no dia 25, o presidente Jânio Quadros, cada vez mais confrontado por seus antigos aliados, entregou seu pedido de renúncia ao Congresso Nacional. Seu governo havia durado apenas 7 meses.
À crise política que culminara na renúncia de Jânio seguiu-se outra, mais grave: a posse do Vice-Presidente João Goulart, que estava em visita oficial à China. Após dias de tensão, Jango, como era chamado, foi empossado Presidente da República no dia 7 de setembro de 1961. No fim desse mesmo mês, Jango realizou sua primeira visita oficial à antiga capital da República, onde foi recebido com festa no Aeroporto Santos Dumont por dezenas de pessoas, entre políticos, militares, sindicalistas, operários e estudantes. A comitiva do presidente seguiu até o Palácio das Laranjeiras, onde Jango passou o final de semana. Durante o Governo Jango, o Palácio voltaria à cena política nacional.
Em fevereiro de 1962, o Rei Leopoldo III, que havia abdicado ao trono belga em favor de seu filho, Balduíno, foi recebido pelo Presidente João Goulart no Palácio das Laranjeiras. O ex-rei dos belgas comentou com bom humor, na ocasião, que já conhecida o Rio de Janeiro “desde antes do presidente nascer”. Isso porque ele havia estado na cidade em outubro de 1920, acompanhando seus pais, o Rei Leopoldo I e a Rainha Elisabeth, em visita oficial ao país.
Ecos da Guerra Fria, a acirrada disputa entre os governos norte-americano e soviético por áreas de influência no mundo, acabaram chegando ao Parque Guinle. Ao longo do dia 25 de outubro de 1962, Jango - mais uma vez hospedado no Palácio das Laranjeiras - manteve intensa agenda diplomática: pela manhã, o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Lincoln Gordon, mostrou ao presidente brasileiro fotos aéreas das instalações dos mísseis nucleares soviéticos em Cuba. Desde a ascensão de Fidel Castro ao governo da ilha e de seu alinhamento ao regime soviético, as relações entre os Estados Unidos e Cuba estavam tensas. O governo norte-americano, em represália à instalação dos mísseis, havia decretado um bloqueio naval à ilha, medida que criara mais uma crise de proporções mundiais.

Presidente Juscelino Kubitschek recebe, no Salão Luís XIV do Palácio das Laranjeiras, a atriz Kim Novak. Data: 7/3/1960. (Acervo Arquivo Nacional – Fundo Agência Nacional).

A atriz Marlene Dietrich com JK no Salão Luís XIV do Palácio das Laranjeiras, 1959. (Acervo Arquivo Nacional – Fundo Agência Nacional)

Presidente Juscelino Kubitschek e Nat King Cole, na Sala de Música do Palácio das Laranjeiras. Data: 10.04.1959. (Acervo Arquivo Nacional – Fundo Agência Nacional).
Após a conversa com o embaixador, foi a vez de Francisco de San Thiago Dantas, Ministro das Relações Exteriores de Jango, ser recebido. Dantas foi um dos responsáveis pela “Política Externa Independente” e pelo reatamento das relações diplomáticas com a União Soviética. À tarde, o encarregado dos negócios soviéticos no Brasil, o diplomata Andrey Fomin, esteve reunido com o Presidente até o início da noite. E para fechar a longa e tensa agenda presidencial daquele dia, João Goulart recebeu no Palácio das Laranjeiras o embaixador cubano Joaquín Hernández Armas.
Foi no jardim do Palácio das Laranjeiras que Jango anunciou, em solenidade ocorrida no dia 22 de fevereiro de 1964, a assinatura do decreto que elevou os níveis regionais do salário mínimo em todo o país. No pronunciamento, o presidente aproveitou para lembrar as “Reformas de Base” que seu governo pretendia implementar. O anúncio das reformas ocorreria no grande comício programado para o dia 13 de março, em frente à Central do Brasil.
Em 31 de março de 1964, João Goulart estava no Palácio das Laranjeiras quando foi informado de uma sublevação militar em Minas Gerais. Tropas do exército haviam deixado Juiz de Fora, com destino a Guanabara, com o intuito de depô-lo. O presidente era acusado pelas Forças Armadas, pela imprensa e por partidos de oposição de apoiar a quebra da hierarquia militar e de dar respaldo à lideranças sindicais e comunistas. O país, assim como seus vizinhos da América Latina, vivia sob o radicalismo ideológico da Guerra Fria.
Sob a incerteza política gerada pela adesão das Forças Armadas ao golpe, Jango deixou o Palácio das Laranjeiras na tarde do dia 1º de abril e voou para Brasília. Da Capital Federal, acompanhado de sua esposa Maria Tereza e dos filhos, viajou até Porto Alegre. Na madrugada do dia 2, o Presidente do Senado, Aldo de Moura Andrade, apesar do comunicado de que Jango estava em território nacional, declarou vaga a Presidência da República. O Deputado Ranieri Mazzilli, então Presidente da Câmara, foi empossado interinamente Presidente da República.
Eleito Presidente da República pelo Congresso Nacional no dia 15 de abril, o Marechal cearense Humberto de Alencar Castello Branco já despachava com seus ministros militares no Palácio das Laranjeiras, no dia 22 daquele mês. O Marechal, que prometia um governo em tudo oposto ao de seu antecessor, manteve a tradição - inaugurada por JK e seguida por Jango - de usar o Laranjeiras como uma das sedes da Presidência, recebendo ali ministros e aliados.
O vai-e-vem de militares, políticos e empresários no Parque Guinle, sempre a procura do novo chefe de governo, consolidou a imagem de centro do poder do Palácio no imaginário popular. As insatisfações e reivindicações de diferentes grupos sociais sempre batiam às portas do Palácio das Laranjeiras. Foi o caso das moradoras da Favela de Brás de Pina e das aeromoças da Panair do Brasil.
A política de remoção de favelas do Governador Carlos Lacerda levou um grupo de mulheres da Favela de Brás de Pina, no subúrbio do Rio, acampar durante três dias no acesso ao Palácio das Laranjeiras, em novembro de 1964, com o objetivo conseguir uma audiência com Castelo Branco. O grupo, que reivindicava a permanência em suas próprias casas e a urbanização da favela, reclamava da mudança compulsória e violenta para a Vila Kennedy, um dos novos conjuntos habitacionais construídos pelo governo, na Zona Oeste. Mas somente em dezembro é que parte do grupo teria finalmente acesso ao Palácio, conseguindo entregar ao chefe da Casa Civil da Presidência, Luiz Viana Filho, uma lista com suas reivindicações.

Presidente João Goulart e o Embaixador norte-americano Lincoln Gordon, no Salão Luís XIV. 21/10/1961. (Acervo Arquivo Nacional – Fundo Agência Nacional)

João Goulart e Juscelino Kubitschek conversam no Salão de Jantar. Década de 1960. (Acervo Arquivo Nacional – Fundo Agência Nacional)

Presidente Humberto Castelo Branco em reunião ministerial, na Biblioteca do Palácio Laranjeiras. 30/12/1964. (Acervo Arquivo Nacional – Fundo Agência Nacional).
No início de 1965, Castelo Branco determinou a cassação das licenças da Panair do Brasil, uma das mais importantes companhias aéreas do país. Sem ter como operar seus aviões, os donos da empresa, Celso da Rocha Miranda e Mário Wallace Simonsen, pediram concordata à justiça, que negou o pedido e decretou a falência da companhia. Consternados, os funcionários da Panair tentaram assumir o controle da empresa, também sem sucesso. Diante do impasse, um grupo de 15 comissárias, usando seus característicos uniformes da Panair, acampou em frente à entrada do Palácio das Laranjeiras, mesmo sob a ameaça da Polícia do Exército, na expectativa de encontrar o Marechal Castelo Branco.
E não era apenas o povo que subia a ladeira do Parque Guinle quando pretendia cobrar pelos seus direitos: em 8 de agosto de 1966, foi a vez do Governador do Estado da Guanabara, Francisco Negrão de Lima, ir ter com o Marechal no Palácio para tratar da verba para a construção do túnel sob as águas da Baía da Guanabara, que ligaria o centro do Rio ao Gragoatá, em Niterói, e cujas obras deveriam acontecer simultaneamente às da ponte Rio-Niterói, já incluída no Plano Rodoviário Federal. Ao longo de seu mandato, Negrão de Lima subiria o Parque Guinle outras vezes, sempre em busca do apoio presidencial para as obras de seu governo. Em 18 de abril de 1967, foi a vez do Marechal Costa e Silva, recentemente empossado Presidente da República, receber o governador carioca para tratar de assunto importante para a cidade que tinha, à época, um trânsito caótico: a construção do metrô. Naquela manhã de céu parcialmente nublado, ao chegar ao Palácio, Negrão de Lima ouviu de um repórter: “Governador, o senhor chegou e o sol apareceu”. E logo respondeu, bem humorado: “Isso prova que eu não trago só chuvas!”
No início de outubro de 1964, o General Charles de Gaulle, Presidente da França, visitou o Brasil, acompanhado de sua esposa, Yvonne, e por numerosa comitiva. No Rio, onde ficou ancorado o cruzador Colbert, que o havia trazido da capital uruguaia, De Gaulle ficou hospedado no Palácio das Laranjeiras, que foi preparado especialmente para recebê-lo. O esquema de segurança do Palácio ficou a cargo da polícia francesa, que chegou a vistoriar até alguns apartamentos dos edifícios fronteiros à casa.
O senador norte-americano Robert Kennedy, irmão de John Kennedy, o presidente dos Estados Unidos assassinado em um atentado em 1963, foi recebido por Castelo Branco no Palácio das Laranjeiras, em 24 de novembro de 1965. Ao lado do Embaixador Lincoln Gordon, o senador estava em viagem oficial pela América Latina. Desde o início da década de 1960, o governo dos Estados Unidos, então sob a liderança de John Kennedy, mantinha um programa de ajuda econômica aos países da região, chamado “Aliança para o Progresso”. Após o golpe que depôs João Goulart, o Governo Brasileiro buscou estreitar laços políticos e comerciais com os Estados Unidos, que ampliaram os recursos da “Aliança” concedidos ao país.
Em janeiro de 1966, foi a vez do outro influente norte-americano visitar o Palácio das Laranjeiras. O empresário Henry Ford II, neto do fundador da companhia automobilística Ford Motors, foi recebido pelo Presidente Castelo Branco. Ford e a esposa, Christina, estavam no país para promover o mais novo lançamento da filial brasileira da companhia automobilística: o luxuoso modelo Galaxie, produzido com peças fabricadas no país.
Desde a deposição de João Goulart, em abril de 1964, o novo governo editou medidas, chamadas Atos Institucionais (AI), que alteraram profundamente a Constituição. O primeiro AI expandiu fortemente as atribuições do Poder Executivo Federal, que passou ter as prerrogativas de cassar mandatos legislativos e suspender direitos políticos. O segundo Ato Institucional tornou indiretas as eleições para o cargo de Presidente da República e estabeleceu o bipartidarismo, extinguindo os antigos partidos políticos. Em 4 de fevereiro de 1966, Castelo Branco, reunido com seu ministério e os generais Ernesto Geisel e Colbery do Couto e Silva no Palácio das Laranjeiras, editou o terceiro AI, que estendeu o dispositivo de eleições indiretas também ao cargo de governadores do Estados, que passariam a ter a prerrogativa de indicar os prefeitos das capitais. Em dezembro de 1968, já sob a presidência do Marechal Arthur da Costa e Silva, o Palácio das Laranjeiras tornou-se novamente lugar da edição de mais um Ato Institucional: o AI-5. Naquele mês, foi decretado o “recesso” do Congresso Nacional por tempo indeterminado.
Na tarde do dia 25 de agosto de 1966, o Núncio Apostólico no Brasil, Dom Sebastião Baggio, reuniu-se com o Marechal Castelo Branco no Palácio das Laranjeiras. Não era a primeira vez que um representante do Vaticano era recebido nos salões do Palácio. Mas naquele dia o assunto seria polêmico: a situação de Dom Helder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife, ex-secretário geral da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e fundador da “Cruzada de São Sebastião”, uma organização civil que propunha a construção de casas populares para moradores das favelas cariocas. Dom Helder acusava publicamente as arbitrariedades do governo militar, sobretudo aquelas que atingiam os Direitos Humanos. Por outro lado, os militares ligados ao presidente acusavam o arcebispo de “comunismo” e “subversão”. Na breve reunião, o Núncio Apostólico comunicou a Castelo Branco que “é um dever dos todos os católicos, associados ou não, apoiar as atividades de seus pastores” e que “o apoio ao padre Helder é um dever”.
Eleitos presidente e vice-presidente pelo Congresso Nacional em 3 de outubro de 1966, em meio a uma grave crise política entre o governo e a Câmara de Deputados, o Marechal Artur da Costa e Silva e Pedro Aleixo foram diplomados em seus respectivos cargos no dia 28 daquele mês. Mas a cerimônia, ao invés de ter lugar - como de praxe - no plenário do Senado Federal, em Brasília - ocorreu no Palácio Monroe, a antiga sede da instituição, localizada no centro do Rio de Janeiro. Em seu discurso de abertura, o Senador Auro de Moura Andrade, Presidente da Casa, justificou a “modéstia da cerimônia” devido à impossibilidade de usar a sede do Parlamento, em Brasília. Desde o dia 20 de outubro, por ordem do Presidente Castelo Branco, e com o apoio de sua base aliada, o Congresso Nacional estava fechado. Diplomado, Costa e Silva foi imediatamente ao Palácio das Laranjeiras encontrar Castelo Branco.
Sob o título “Os homens do Poder”, o Jornal do Brasil noticiou, em 11 de fevereiro de 1967, a reunião entre Castelo Branco e Costa e Silva no Palácio das Laranjeiras. O primeiro, nos últimos dias de governo; o segundo, compondo seu ministério e na expectativa da posse. O fotógrafo do jornal flagrou o momento em que os dois desciam a escadaria de mármore de Carrara do hall do Palácio. O cenário e a expressão dos militares não poderiam enfatizar mais a situação política e institucional do país: Castelo deixava a presidência tendo editado uma nova Carta Constitucional, sem que houvesse convocado eleições para uma assembléia constituinte. A Constituição, elaborada por um grupo de juristas e por aliados do governo ao longo das várias reuniões ocorridas dentro Palácio das Laranjeiras, acabou sendo referendada por um Congresso Nacional cerceado pelas constantes cassações.
O Palácio das Laranjeiras permaneceu à disposição da Presidência da República durante o Governo do Marechal Costa e Silva. Foi, inclusive, preparado para receber o Presidente e sua esposa, Iolanda, em sua primeira visita após a posse, em abril de 1967. As boiseries foram envernizadas, os parquets encerados, as cortinas trocadas, os cristais limpos, os bronzes polidos, as lâmpadas trocadas e a grama do jardim aparada. Mas o marechal não gostou de sua casa no Rio: achou o Palácio “sem conforto”. Ao contrário de seu antecessor, preferiu o Palácio da Alvorada, em Brasília. Contudo, o Marechal teve que se render ao simbolismo político adquirido pela casa, e muitas das solenidades oficiais e reuniões ministeriais de seu governo acabaram acontecendo ali mesmo: em setembro de 1967, o Presidente e a Primeira-dama receberam no Palácio o Rei Olavo V da Noruega e sua filha, a Princesa Ragnhilde. E foi em seu gabinete no Laranjeiras que Costa e Silva recebeu do Ministro da Saúde, Leonel Miranda, o anteprojeto de lei que previa a regulamentação de transplantes de órgãos no país.
Em agosto de 1968, um grupo de 200 estudantes, integrantes do Projeto Rondon, foi recebido pelo Marechal Costa e Silva no salão de visitas do Palácio das Laranjeiras. Em meio à crise entre o governo e o movimento estudantil, o Presidente pretendia, ao recebê-los no Palácio, demonstrar esforço de diálogo.
Os atritos entre o Executivo e o Congresso Nacional chegaram ao ápice em dezembro de 1968, quando o governo cobrou do Parlamento a licença para processar dois deputados do partido de oposição, o MDB. Márcio Moreira Alves e Hermano Alves haviam acusado publicamente as arbitrariedades cometidas pela chamada “linha dura” do governo, o primeiro discursando na tribuna da Câmara, o segundo em artigos publicados na imprensa. Na sessão de 12 de dezembro daquele ano, a Câmara negou ao governo o pedido de licença, inclusive com o apoio de deputados da Arena, o partido situacionista. Costa e Silva convocou imediatamente o Conselho de Segurança Nacional, formado pelos ministros e pelos chefes do Estado Maior das Forças Armadas, que se reuniu no Palácio das Laranjeiras na sexta-feira, dia 13. O Palácio, mais um vez, serviria de cenário à história política brasileira: à noite, o Ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva, anunciou ao país, via rádio, o AI-5. O Congresso Nacional foi fechado e só voltaria a se reunir em Outubro de 1969, convocado para referendar a escolha do General Emílio Garrastazú Médici à Presidência da República.
Na manhã do dia 1 de setembro de 1969, segunda-feira, o médico Paulo Niemeyer foi chamado ao Palácio das Laranjeiras. O Marechal Costa e Silva havia tido um Acidente Vascular Cerebral. Ao longo do dia, os jornalistas de plantão no acesso ao Palácio registraram o vai-e-vem no Parque Guinle de membros dos comandos militares, de ministros, de médicos e até do Embaixador de Portugal. Poucas eram então as informações precisas passadas à imprensa. A população havia sido avisada, na véspera, pelo rádio, que o Presidente estava doente e que o poder seria exercido interinamente por uma Junta Governativa, formada pelos três ministros militares: General Aurélio Lira Tavares, do Exército; Almirante Augusto Rademaker Grunewald, da Marinha; e Brigadeiro Marcio de Sousa e Melo, da Aeronáutica. O Vice-Presidente da República, Pedro Aleixo, foi impedido de assumir o governo. Por decisão da Junta, o Palácio das Laranjeiras foi alçado à condição de Sede Temporária do Poder Executivo Federal. Foi no Palácio que ocorreu, em outubro daquele ano, a cerimônia de lançamento da Emenda Constitucional N.º 1, à época chamada pela imprensa de “nova Carta Constitucional”, que assegurava ao Poder Executivo pleno domínio sobre o Congresso Nacional, assim como havia sido estabelecido pelo AI-5.

Costa e Silva e Castelo Branco em solenidade no Salão Luís XIV do Palácio das Laranjeiras. Década de 1960.

O Presidente Costa e Silva em reunião na Biblioteca do Palácio das Laranjeiras, 1967.

O Ministro da Justiça Gama e Silva, no Salão Luís XIV do Palácio das Laranjeiras, anuncia pelo rádio o Ato Institucional Nº 5. Dezembro de 1968.
Em 17 de dezembro de 1969, o Marechal Costa e Silva, já na condição de ex-presidente, faleceu em seu quarto, na ala residencial do Palácio das Laranjeiras. E por ironia da história, o Palácio, que havia desagradado ao Marechal, acabou sendo usado em seu velório. Em janeiro de 1970, o novo Presidente, o General Emílio Garrastazú Médici, já despachava de seu gabinete no Laranjeiras.
Enquanto tratava das dezenas de atribuições que, a partir do AI-5, passaram à alçada do chefe do Executivo, entre elas, a definição dos candidatos à sucessão aos governos estaduais, o General Médici recebeu os integrantes da seleção de futebol brasileira, no dia 29 de abril de 1970, para um almoço no Palácio das Laranjeiras. Os jogadores embarcariam para o México no 1º de Maio para participarem da Copa do Mundo, da qual sairiam vitoriosos.
Em maio de 1970, Médici decidiu autorizar a contratação de empréstimos internacionais para a construção de linhas de metrô nas duas maiores cidades do país, Rio e São Paulo. A medida foi tomada após a conferência, em seu gabinete no Palácio das Laranjeiras, entre o General e seus ministros do Planejamento, João Paulo Reis Veloso; da Economia, Antônio Delfim Netto; e dos Transportes, Mário Andreazza. A Companhia Metropolitano do Rio de Janeiro estimava, à época, um gasto de 300 milhões de dólares para a construção de uma linha prioritária, da Praça Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, até a Praça Saens Peña, na Tijuca, e mais cinco linhas complementares.
Em outubro de 1970, o ginásio Maracanãzinho sediou o V Festival Internacional da Canção e alguns artistas foram recebidos por Médici e sua esposa, Scylla, na sala de visitas do Palácio das Laranjeiras. A cantora francesa Françoise Hardy, os músicos norte-americanos Ray Coniff e Richie Havens, e o cantor e ator brasileiro Tony Tornado estavam entre os 40 artistas homenageados pelo Presidente.
Uma das pinturas mais emblemáticas do acervo do Palácio das Laranjeiras, localizada no Salão de Visitas, o "Retrato de Luís XIV ", pintado por Hyacinthe Rigaud, teve destaque na capa do Jornal do Brasil em 9 de setembro de 1971. No dia anterior, Médici havia recebido naquele Salão - um dos ambientes mais luxuosos do Palácio - o Embaixador de Portugal, Rui Patrício, e o então Ministro das Finanças e futuro Presidente da República da França, Valéry Giscard D’Estaing. O JB registrou o encantamento do ministro francês com a forte influência das artes decorativas de seu país no Palácio das Laranjeiras. Em 12 de março de 1973, foi a vez do austríaco Kurt Waldheim, Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas, ser recebido pelo Presidente Médici na suntuosa Sala de Visitas do Laranjeiras.
Durante o tempo em que ficou sob a responsabilidade do Governo Federal, o Palácio das Laranjeiras sofreu diversas alterações em sua configuração original. De residência oficial, o Palácio passou a comportar tantas outras funções burocráticas, ligadas à Presidência da República, que os suntuosos salões, tão emblemáticos da cultura burguesa da Belle Époque, foram transformados em repartições públicas. A bela Biblioteca de Eduardo Guinle, com suas paredes revestidas por delicadas boiseries rococós, foi transformada em “Salão de Despachos”.