

Conheça o Palácio
Remonta ao início do século XIX a influência francesa sobre os modos de morar no Brasil, especialmente a partir da fundação da Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, em 1816, sob a liderança de artistas franceses que haviam chegado ao país naquele ano. Mas foi a partir das últimas décadas daquele século que o “morar à francesa” infiltrou-se mais nitidamente nas casas brasileiras.
A regularidade das viagens de navios a vapor tornou possível às burguesias dos países latino-americanos consumir mais rapidamente a cultura européia, do período conhecido como Belle Époque. Objetos caros, antes restritos aos círculos aristocráticos, puderam ser consumidos por aqueles que podiam pagar. O luxo já não era uma prerrogativa de classe. Nesse contexto, a casa foi alçada à condição de vitrine de erudição, riqueza e sucesso profissional. Habitar casas belas, confortáveis e salubres tornou-se uma prioridade para as famílias ricas. O projeto da casa deveria atender à uma dupla necessidade: exibição de riqueza para mundo exterior e recato da vida íntima.
Na casa de Eduardo Guinle, a escolha do programa arquitetônico orientou-se pelas tipologias francesas de casas abastadas: villas e hôtels privées. A implantação no centro do lote, a existência de extensos jardins, as fachadas profusamente ornamentadas, o uso de materiais nobres e a divisão interna entre áreas de convívio social e de convívio íntimo foram algumas das características mais importantes dessas tipologias.
Armando Carlos da Silva Telles, o arquiteto construtor contratado por Eduardo, havia sido aluno da Escola Nacional de Belas Artes, onde o ensino primava pela tradição francesa, assim como pelas referências da arquitetura dos estilos históricos europeus. A marcante influência da cultura francesa sobre a elite carioca, que fazia da língua francesa uma forma de distinção de classe, também contribuía para que muitas das novas construções, erguidas na cidade após a famosa Reforma Urbana iniciada em 1903, fossem inspiradas em Paris. E o próprio dono da casa, filho do empresário de origem francesa Eduardo Palassin Guinle, deve ter influenciado. Dessa cultura francófila surgiu o Palacete Eduardo Guinle, atual Palácio das Laranjeiras.
O Palácio foi implantado de forma inusitada, erguido sobre uma área aplainada da encosta do Morro Nova Cintra que, à época de sua construção, era conhecido também como Morro dos Ingleses. Ali, a uma altura de 25 metros acima do nível da rua, era possível ter uma vista panorâmica do Rio de Janeiro, com a Baía de Guanabara e o morro do Pão de Açúcar ao fundo.
Naquela área verde do bairro das Laranjeiras, em 1909, existiam algumas casas ao longo de uma ladeira. Muitos terrenos pertenciam ao Conde Sebastião de Pinho. Eduardo comprou alguns lotes e mandou limpar o terreno. Na parte superior da ladeira, foi necessário demolir um antigo casarão para tornar plana a área. Foi preciso, inclusive, erguer um possante muro de contenção ao longo de um dos limites do platô, de modo a garantir a estabilidade do terreno. O muro de contenção, atualmente ocultado pela vegetação do Parque Guinle, recebeu um apurado tratamento ornamental em seu revestimento, além de altas colunas de argamassa, que na época formavam uma pérgola.
A construção da casa começou no final do ano de 1909 e se estendeu até meados de 1913. A posição da edificação obedeceu às limitações do terreno e aproveitou ao máximo a área plana disponível. O palacete apresenta uma composição bastante clara e objetiva: em formato de “Y”, tem um corpo central retangular, que se ramifica em dois corpos, também retangulares, porém, menores.
O projeto do palacete seguiu a divisão espacial tripartite, muito utilizada em projetos de residências abastadas durante o século XIX e início do XX. Na época, os arquitetos definiam alas específicas nas residências, criando um zoneamento espacial que regrava a vida doméstica. Assim, as salas destinadas a receber convidados localizavam-se separadas dos ambientes de uso íntimo das famílias, embora fizessem parte da mesma construção. As áreas de serviços, como cozinhas, despensas, lavanderias e depósitos ficavam também à parte, de modo a evitar que odores, fumaça e até mesmo olhares indiscretos alcançassem a privacidade dos donos da casa. Para conectarem as três partes, os arquitetos se valiam de espaços de distribuição ou de transição, tais como corredores, vestíbulos, halls, galerias ou varandas. No caso do Palácio das Laranjeiras, as três alas, embora tenham acessos independentes, estão interligadas por meio da varanda aberta que antecede a Sala de Jantar.
A maior ala é a que abriga os salões mais suntuosos de toda a casa, destinados ao convívio social. Os ambientes da ala social formam a “zona de representação”, destinados à exibição do luxo e do bom gosto dos proprietários. Dessa parte da casa partem as outras duas alas: os serviços, com copa, cozinha, despensa e dependências de empregados; e a ala residencial, com os espaços íntimos reservados aos proprietários: os quartos, gabinete, boudoir, banheiros e rouparia. No esquema de zoneamento tripartite, à medida que os espaços domésticos tornam-se de uso mais íntimo, a área dos cômodos reduz-se e a decoração, simplifica-se. Na antiga casa dos Guinle, a suntuosidade dos salões da ala social, por exemplo, dá lugar à simplicidade decorativa dos quartos de dormir. Entre as alas íntima e de serviços há um pequeno jardim, onde Eduardo Guinle pretendeu construir um salão de baile, projetado pelo arquiteto francês Joseph Gire. Devido às contingências financeiras, ele foi obrigado a abandonar a idéia.
Todas a três alas do Palácio das Laranjeiras possuem dois pavimentos. Inicialmente, a ala de serviços seria uma simples construção térrea, o que criava uma desarmonia em relação às outras partes, que já foram idealizadas pelo arquiteto com dois pavimentos. Durante as obras, o problema foi corrigido com o acréscimo de um segundo pavimento, que acabou recebendo tratamento decorativo diferente das demais partes.
A casa está assentada sobre um embasamento que abriga um porão alto e largo, elevando-a em relação ao nível do piso do jardim. A existência de um suave declive no terreno faz com que a altura do porão, sob a ala social, seja mais evidente. Devido a isso o principal acesso à casa, que se faz pela Sala de Visitas - o chamado “Salão Luís XIV” – é realizado pela suntuosa escadaria de mármore de Carrara, que se abre para o terraço de linhas sinuosas que circunda todo o primeiro pavimento da ala social.
As fachadas do Palácio das Laranjeiras são revestidas por mármore de Carrara e por argamassa de cor clara. Elas são profusamente ornamentadas, especialmente a que se avista do Parque Guinle. Um variado repertório de elementos decorativos, extraídos da arquitetura dos estilos históricos (colunas coríntias, modilhões, cornijas, medalhões, guirlandas, quimeras, grupos escultóricos e balcões) forma uma composição quase análoga a de um cenário operístico, impressão reforçada pelo desenho da fachada principal, inspirada na Ópera de Monte Carlo, em Mônaco, obra do famoso arquiteto francês Charles Garnier.
Para decorar os interiores de seu palacete, Eduardo Guinle contratou a Casa Bettenfeld, uma tradicional firma francesa, que desde a metade do século XIX fabricava mobiliário de fino acabamento. A firma levava o nome de seu fundador, o decorador e ebanista Louis-François Bettenfeld. A fim de atender a encomendas tão volumosas, Bettenfeld abriu uma filial no Rio de Janeiro, na rua Real Grandeza, no bairro de Botafogo. A Casa Bettenfeld no Rio funcionou até a década de 1930, fabricando mobiliário e até mesmo cenários teatrais. Os projetos de decoração, belos desenhos aquarelados arquivados no Museu Histórico e Diplomático do Itamaraty, são representativos dos padrões de gosto da alta burguesia da época, que inspirava-se nos palácios aristocráticos do Antigo Regime.
Ala Social
A ala social é a maior da casa e conta com oito ambientes simetricamente posicionados em dois pavimentos. É a partir do Hall, ou Vestíbulo, que acontece a distribuição das salas, cada uma correspondendo à uma função específica. No primeiro pavimento estão os ambientes de receber: a Sala de Visitas, denominada Salão Luís XIV, a Sala de Jantar, o Fumoir e a Sala de Música. No segundo pavimento estão a Biblioteca, a Sala de Bilhar, denominada Salão Império, e a Galeria de Quadros, chamada Galeria Regência.









Ala Íntima ou Residencial
A ala íntima, ou residencial, é mais modesta do que a ala social, tanto no que diz respeito aos espaços, mais reduzidos, quanto à decoração, mais sóbria. O acesso é feito por uma varanda aberta, cuja entrada se dá pelo espaço ajardinado que, à maneira de uma cour d’honneur, (um pátio típico em antigos palacetes franceses), separa as duas alas restantes da casa.
A partir dessa varanda, guarnecida em sua entrada por um par de colunas jônicas e por painéis de estuques que revestem as paredes, é possível alcançar todas as partes do Palácio. O piso da varanda é um mosaico cerâmico com motivos florais.

A Varanda de entrada que permite o acesso às alas íntima e de serviços do Palácio das Laranjeiras. (Acervo Casa Civil) - Foto: Gustavo Alves do Carmo.
A ala íntima tem uma distribuição muito simples, feita de duas formas: por meio de uma longa galeria envidraçada, que parte da varanda e dá acesso a todos os cômodos. Há também um acesso interno, realizado por dentro dos próprios ambientes, que se comunicam entre si, tal como uma enfilade (salas alinhadas em sequência), através de portas de correr embutidas nas boiseries. O segundo pavimento da ala íntima reproduz a mesma distribuição e os mesmos espaços do primeiro.





Ala de Serviços
A ala de serviços é simetricamente oposta à ala íntima, com acesso pela mesma varanda aberta. Ela era composta originalmente pela Sala de Almoço, copa, cozinha, despensas e dependências de empregados. O segundo pavimento não consta da planta original e seu acréscimo só foi pensando durante as obras de construção do palacete. No pequeno hall existente entre a cozinha e as dependências de empregados foi instalada uma escada de ferro helicoidal. O tratamento decorativo dado à ala de serviços, tanto nos interiores como nas fachadas, é simples. Contudo, alguns elementos utilizados na composição dos ambientes merecem destaque, por sua beleza e originalidade.
Ala de Serviços



Plantas
Nos links abaixo, você encontra o conjunto de plantas originais, de 1909, do Palácio, assim como as plantas elaboradas para a restauração que ocorreu na década de 2010: